sexta-feira, 29 de agosto de 2008

O discurso de Michele Obama e a caça às bruxas

Li com tristeza o Washington Post comentar, com um pingo de ironia, que triste era ver Michele Obama transformar-se de uma mulher com uma carreira em dona-de-casa. Eis um exemplo do que é miss the point completely. O que é triste é que ainda hoje, quando se vê os Estados Unidos quebrando um poderoso tabu e chegando perto de eleger um Presidente negro, continue a ser necessário que a esposa do candidato se apresente como dona-de-casa para parecer confiável aos olhos do eleitorado. O que é triste é ver como se necessita que a mulher se enquadre em antigos rótulos, que se mostre domesticada, previsível, desempenhando o mesmo papel que sua bisavó. Se não for assim, aparecerá como a bitch aos olhos do eleitorado e danificará a campanha do marido. Michele, tenho certeza, não representou de bom grado aquela pantomima; mas, mulher inteligente que é, reconheceu-lhe a inevitabilidade. E é isso o triste: esta inevitabilidade.

Admite-se que a mulher tenha uma carreira, os mais moderninhos acham isso até legal, mas desde que a independência profissional não se traduza com muita clareza em liberdade: liberdade de opinião, liberdade sexual, liberdade de trocar de marido, liberdade de viver como bem se entende - enfim, liberdade de pôr em marcha aquela tal pursuit of hapiness, para ficar em termos bem americanos. Tudo que represente LIBERDADE da mulher é temido. Mulher livre e independente merece a fogueira por tamanha ousadia - ou, no mínimo, o estigma de "vagabunda". As mulheres independentes que me leiam saberão do que eu estou falando. E muitas vezes as algozes são as próprias mulheres, invejosas de uma liberdade que lhes falta e encasteladas em seus comportamentos socialmente codificados. Daí a necessidade de Michele Obama fingir que é só uma dona-de-casa como tantas: para não ferir a suscetibilidade dessas mulheres e de seus machistas esposos - que, infelizmente, ainda são uma fatia considerável do eleitorado.

Minha solidariedade está com Michele. Também eu, como ela confessou (está no NYT de ontem, na coluna da Gail Collins) "fui criada para achar que podia fazer tudo", e também pra mim isso foi "very empowering". Também eu, agora que além de profissional sou mãe, estou descobrindo como é difícil "fazer tudo" - mas não trocaria minha vida por outro esquema, jamais. Poder ensinar para minha filha que homem serve para dar carinho, amor e apoio pra gente e que dinheiro a gente consegue sozinha é priceless.

Voltando a Michele Obama, é muito triste constatar como o mundo ainda tem que progredir quando o assunto é mulher. Sintomatica e simbolicamente, os homens negros - vide Obama - estão "chegando lá" antes das mulheres - vide minha candidata Hillary. E ainda tem quem profira a heresia de que feminismo é uma ideologia ultrapassada.

Nenhum comentário: