terça-feira, 30 de setembro de 2008

Reflexões - e confissões - induzidas pelo Metallica

Acabei de ler a coluna do Felipe Machado no Estadão - eu era fãzona do Viper lá pelos meus vinte anos, por isso leio de vez em quando a coluna do Felipe - na qual ele comenta o disco novo do Metallica.

Eu amava Metallica, possivelmente também porque a época do mega-sucesso do Black Album no Brasil coincidiu com um dos períodos mais felizes da minha vida(o que só se percebe retrospectivamente).

Aí fui ouvir a música para a qual o Felipe deixa o link. À primeira audição, decepção: achei só mais ou menos. E, pior, é mais um clipe falando de guerra. Ando de bode com clipe falando de guerra. Eu sei que com os meninos americanos(público-alvo de qualquer banda de rock) no Iraque, guerra virou tema de videoclipe. Tem desde uma musiquinha da chata da Avril Lavigne até uma música linda do James Blunt, que eu não consigo ouvir porque toda vida lembro do clipe que fala de guerra e morte. A mesma sensação que eu tenho com Last Kiss do Pearl Jam, que fala de uma garota que morreu num acidente de carro: não dá pra ouvir, é triste demais.

Acho que isso tem um pouco a ver com a maternidade. Desde que a Bruna nasceu, fiquei muito mais sensível à dor dos outros. Outro dia me peguei rezando, com o fervor com que rezaria por alguém da minha família, por uma criança que foi espancada pelo pai drogado na Piazza Venezia e estava entre a vida e a morte no Bambino Gesú, o hospital pediátrico aqui de Roma(a menina saiu do coma dias depois, notícia que eu me flagrei comemorando). Não posso mais ler nada triste que envolva crianças : fico às lágrimas. E quando penso em guerra, acidente, em todos esses desperdícios estúpidos de vidas, lembro que cada uma daquelas vítimas é o bebê de alguém, seu filhinho querido sobre todas as coisas. Não consigo aguentar esse pensamento sem me sentir muito, muito mal.

Mudei muito depois de ser mãe. De certa forma, a pessoa que eu era antes - ou, ao menos, grande parte da pessoa que eu era antes - morreu quando a Bruna nasceu. A metáfora é corretíssima, porque a mudança é grande e repentina; sei lá eu o que acontece, mas depois que você olha pra carinha daquela criaturinha que você fez e que depende de você pra sobreviver, tudo muda num instante. A pobre mãe não tem sequer tempo de se adaptar, é aquele instante e num passe de mágica você vira outra pessoa. Sua cabeça muda para sempre, suas prioridades são outras, toda sua força se direciona para a proteção daquele serzinho indefeso. Às vezes me dá um certo ressentimento, que me permito (com culpa) confessar: sinto falta da pessoa que eu era e de quem eu gostava bastante. Sinto falta de ligar mais para mim mesma. É como o Diogo Mainardi fala, a gente desencarna um pouco depois que os filhos nascem. Mas, pelo metro cristão - que, não adianta negar, é a medida moral da sociedade ocidental -, a maternidade fez de mim uma pessoa melhor. Uma pessoa melhor com quem eu mesma ainda estou me acostumando.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Exatamente o que eu penso

Do blog da Judith Warner:

" And, I think, they find her acceptably “real,” because Palin’s not intimidating, and makes it clear that she’s subordinate to a great man.

But shouldn’t a woman who is prepared to be commander in chief be intimidating? Because of the intelligence, experience, talent and drive that got her there? If she isn’t, at least on some level, off-putting, if her presence inspires national commentary on breast-pumping and babysitting rather than health care reform and social security, then something is seriously wrong. If she doesn’t elicit at least some degree of awe, then something is missing. "

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

O discurso de Michele Obama e a caça às bruxas

Li com tristeza o Washington Post comentar, com um pingo de ironia, que triste era ver Michele Obama transformar-se de uma mulher com uma carreira em dona-de-casa. Eis um exemplo do que é miss the point completely. O que é triste é que ainda hoje, quando se vê os Estados Unidos quebrando um poderoso tabu e chegando perto de eleger um Presidente negro, continue a ser necessário que a esposa do candidato se apresente como dona-de-casa para parecer confiável aos olhos do eleitorado. O que é triste é ver como se necessita que a mulher se enquadre em antigos rótulos, que se mostre domesticada, previsível, desempenhando o mesmo papel que sua bisavó. Se não for assim, aparecerá como a bitch aos olhos do eleitorado e danificará a campanha do marido. Michele, tenho certeza, não representou de bom grado aquela pantomima; mas, mulher inteligente que é, reconheceu-lhe a inevitabilidade. E é isso o triste: esta inevitabilidade.

Admite-se que a mulher tenha uma carreira, os mais moderninhos acham isso até legal, mas desde que a independência profissional não se traduza com muita clareza em liberdade: liberdade de opinião, liberdade sexual, liberdade de trocar de marido, liberdade de viver como bem se entende - enfim, liberdade de pôr em marcha aquela tal pursuit of hapiness, para ficar em termos bem americanos. Tudo que represente LIBERDADE da mulher é temido. Mulher livre e independente merece a fogueira por tamanha ousadia - ou, no mínimo, o estigma de "vagabunda". As mulheres independentes que me leiam saberão do que eu estou falando. E muitas vezes as algozes são as próprias mulheres, invejosas de uma liberdade que lhes falta e encasteladas em seus comportamentos socialmente codificados. Daí a necessidade de Michele Obama fingir que é só uma dona-de-casa como tantas: para não ferir a suscetibilidade dessas mulheres e de seus machistas esposos - que, infelizmente, ainda são uma fatia considerável do eleitorado.

Minha solidariedade está com Michele. Também eu, como ela confessou (está no NYT de ontem, na coluna da Gail Collins) "fui criada para achar que podia fazer tudo", e também pra mim isso foi "very empowering". Também eu, agora que além de profissional sou mãe, estou descobrindo como é difícil "fazer tudo" - mas não trocaria minha vida por outro esquema, jamais. Poder ensinar para minha filha que homem serve para dar carinho, amor e apoio pra gente e que dinheiro a gente consegue sozinha é priceless.

Voltando a Michele Obama, é muito triste constatar como o mundo ainda tem que progredir quando o assunto é mulher. Sintomatica e simbolicamente, os homens negros - vide Obama - estão "chegando lá" antes das mulheres - vide minha candidata Hillary. E ainda tem quem profira a heresia de que feminismo é uma ideologia ultrapassada.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Tempos romanos

Se você tem crises de angústia com a impermanência das coisas, se este mundo moderno onde tudo é fast, descartável e single-serving te deixa em crise, então Roma é a cidade pra você.

Isso aqui não foi apelidado de Cittá Eterna por acaso.

Aqui tudo dura e permanece, a começar pela paisagem: trata-se da única - vejam bem, ÚNICA - cidade do mundo que conserva trechos e trechos de dois mil anos atrás. No meu caminho de casa para o trabalho, passo todo dia por vários prédios mais antigos que o Brasil. Só não digo que Roma é uma viagem ao passado porque aqui nada disso é passado, nada disso é relíquia. Toda a parte antiga de Roma continua viva, protagonista, a fazer parte da vida da cidade e das histórias das pessoas. Basta ver as noivas tirando foto na frente do Coliseu pra entender do que eu estou falando. O clichê de que "Roma é um museu a céu aberto" passou a soar meio estranho depois que vim morar aqui : a relação do romano com as ruínas, com as obras de arte, com os prédios antigos - enfim, com seu passado eternizado na arquitetura da cidade - nada tem de contemplativa. Nada daquilo é vivenciado como "peça de museu", mas sim como uma parte da paisagem, tão naturalmente incorporada como o Pão-de-Açúcar ou o Corcovado para o carioca.

Deve ser esta proximidade física com o passado e suas relíquias que incute no romano uma sensação de permanência, de eternidade. A arquitetura, de certa forma, acabou por moldar o caráter do povo. Aqui ninguém age como se precisasse ter pressa para nada - experimente contratar alguém para consertar uma parede na sua casa e você vai entender do que eu estou falando. Outro dia fomos jantar em uma cantininha perto de casa e nos atendeu uma simpática velhinha, cabelos brancos presos num coque, que contou ter mais de oitenta anos e trabalhar naquele mesmo restaurante há impressionantes 65 anos. Aqui os negócios duram, passam de pai pra filho, os empregos duram, tudo cria raízes. Na esquina do nosso trabalho tem um restaurante que o antigo chefe do meu marido frequentava, quando morou em Roma em 1972 - antes de eu nascer, portanto. Nós compramos meias, cuecas, pijamas e camisas em uma loja na Via del Corso que está lá dal 1850. Poderia seguir em exemplos desse tipo até encher o saco do leitor. Tudo isso contribui para aumentar no romano esta sensação de eternidade das coisas, para tirar deles o senso de urgência que é o traço distintivo de nossa sociedade moderna. Por essas e outras é que aqui eles se permitem indulgências impensáveis para quem foi criado na cultura do time is money, tais como férias coletivas em agosto - quando em Roma ficam só turistas e serviços para eles voltados - e horários de trabalho que muitas vezes iniciam às 10:30 da manhã. Com direito a fechar para o almoço! Almoço, bem entendido, é uma refeição que se compõe de antipasto, primo piatto, secondo piatto, sobremesa e cafezinho. Comer com pressa, imagina, peccato!

A Itália é dona da segunda maior expectativa de vida do mundo - só perde para o Japão. Ou seja, aqui também as pessoas duram. Se na Europa a gente, que é brasileiro, já fica chocado com a quantidade de velhinhos, imagine você por estas bandas. E são velhinhos que tocam sua vida, independentes por gosto ou por necessidade. Nos supermercados, restaurantes, museus, ônibus, lojas, praças, lá estão eles, os velhinhos, lembrando ao italiano médio de que a vida aqui é looooooonga, meu filho, se estressar pra quê?

Vai por mim: em tempos de internet, de fast food, de vôos intercontinentais, de ficar em vez de namorar, quando bater uma angústia existencial desse tudo-muda-e-nada-dura, pegue um avião pra Roma. Aqui a sensação é de que tudo permanece, de que a vida corre em um outro ritmo. E, quer saber? Essa cultura da lentezza - que, confesso, às vezes me exaspera - deve ser a responsável pela longevidade dos romanos.